sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Sinais Invisíveis





Depois que recebemos o laudo de autismo de nosso filho, surgiram muitos questionamentos das pessoas com quem convivemos. Afinal, quando alguém fala a palavra autista, surge logo na mente uma imagem estereotipada de uma criança se sacudindo ou com dificuldade na fala ou atraso cognitivo e motor.
Acontece que no caso do Henrique, os sintomas são muito sutis. Acabavam se confundindo com birras normais de criança. Manha, barda... Como diziam alguns parentes próximos.
Hoje, sob a luz das pesquisas que fiz sobre o transtorno do autismo, posso perceber os sinais que me passaram totalmente despercebidos na minha inexperiência de mãe de primeira viagem.
Henrique nasceu de trinta e oito semanas, no dia oito de agosto de 2010. Na hora do parto seu choro foi fraco, recebendo APGAR sete no primeiro minuto e oito nos cinco próximos.
Ele demorou cerca de dois dias para aprender a mamar. Chegou a tomar complemento duas vezes e sua glicose baixou bastante, tendo que ser medida duas vezes por dia por quatro dias.
Enfim, no dia doze de agosto fomos para casa, mas os meses seguintes foram bastante difíceis. Henrique chorava muito e eu não sabia se era cólica, fome ou outra coisa... No fim, na consulta do pediatra dos quatro meses eu descobri que ele tinha fome.
Meu leite estava sendo insuficiente para alimentá-lo e ele passou um mês inteiro sem ganhar peso. Ele começou a tomar mamadeira com quatro meses.
Depois disso, o desenvolvimento dele correu de maneira semelhante a qualquer outro bebê. Ele ria, interagia, olhava nos olhos... Sentou com quase sete meses, engatinhou com oito, andou com um ano...
Porém, desde que ele começou a engatinhar eu percebi uma coisa: ele não compreendia o não. Isso se estendeu até perto dos dois anos. Era bastante difícil fazê-lo respeitar os limites.
Outra característica que hoje percebo, mas na época me passou despercebido, foi o fato do Henrique não aprender gestos de interação social: tchau, beijo, palmas... Essas coisas simples que as crianças fazem antes de um ano. Ele tinha dois e não fazia. Na verdade, ele fez essas coisas só perto dos três anos. E quando queria, não quando pedíamos.
Ele teve certo atraso na fala também. Enquanto sua prima de um aninho já repetia o final das frases que falávamos, ele aos dois não falava nem papai e mamãe. Porém, começou a falar de repente, pouco depois de completar dois anos. E corretamente. Até demais para a idade.
Outro marco do desenvolvimento que foi diferente para o Henrique foi o desfralde. Foi muito difícil. Ele levou quase um ano para desfraldar. E o desfralde noturno ainda não conseguimos. Ele está com seis. Era bastante difícil para ele compreender a lógica de ir ao banheiro e acabava fazendo onde estava.
Com relação a adaptação na escolinha, hoje percebemos que foi bem mais difícil do que para outras crianças da mesma idade... Ele chorava muito para ficar, sendo que já começou a ir para o jardim com apenas um ano. Ele só foi se adaptar com três anos de idade. Foi quando eu podia deixá-lo na porta e sair sem ouvir os gritos.
Outra coisa que nos preocupava eram os dias de aniversários de colegas e parentes. Nós o levávamos para as festas, mas ele não interagia com as crianças. Geralmente ele brincava sozinho ou ficava lendo histórias ou vendo vídeos. Mesmo que tivesse alguém que ele já conhecia bastante e tinha afinidade, se essa pessoa estava brincando com outro, o Henrique se fechava.
O Henrique tinha muita dificuldade em interromper a atividade que estivesse fazendo. Se estávamos na casa do primo e eles estavam brincando, ele chorava muito, chegando ao exagero de gritar quando dizíamos que tínhamos que ir embora. Por diversas vezes o levamos embora dos lugares a força.
Mas essa dificuldade era para tudo. Inclusive, a maior reclamação das professoras que atenderam ele nos três primeiros anos era que ele não reagia bem a trocas de atividades, fazendo bastante birra nessas situações.
Como é possível perceber, todos esses sinais estavam lá, mas eram coisas pouco importantes. Mesmo quando aquela voz interior me dizia que havia algo de errado, as pessoas ao meu redor me desmotivavam em ir além, afirmando que ele era uma criança normal, aquilo era coisa de criança, cada um tem seu tempo, que ele era muito bardoso...
As suspeitas começaram a ficar um pouco mais incômodas para mim quando o Henrique estava próximo de completar quatro anos. Foi quando começaram a surgir as alterações sensoriais nos pés e peito. Ele passou a mostrar aflição quando tirava sua camisa ou seu chinelo.
Nós não tínhamos ideia do que poderia ser aquilo e muitas vezes atribuíamos a manha, brigando com ele nessas situações, o que só piorava a situação.
Naquela época eu estava no início da gravidez do Daniel e cheguei a pensar que aquelas birras eram uma forma de chamar a atenção em função da chegada do irmão. Mas as crises foram se estendendo durante todo o período do verão, deixando em meu coração de mãe muitas dúvidas e uma angústia gigantesca.
Enfim, o Daniel nasceu e eu percebi que isso ajudou o Henrique, de certa forma. Ele aceitou bem a chegada do irmãozinho e era bem carinhoso com ele. Até hoje. Porém, continuava sem permitir que fosse tirada sua meia e sua camisa, a não ser para tomar banho.
No final daquele ano, que seria o derradeiro na nossa decisão de buscar um diagnóstico, ainda houve outra situação diferenciada. Henrique fazia capoeira na escola e em uma determinada tarde houve a cerimônia de troca de faixa.
Essa cerimônia foi no parque da cidade, num quiosque fechado. Estava bem cheio de gente e as crianças foram chamadas para ficar numa roda na frente, perto dos instrumentos. A música começou a tocar e eu percebi que o Henrique ficou muito transtornado com o barulho. Ele passou o tempo todo com as mãos nos ouvidos.
Eu pensei até que ele não iria jogar a capoeira com o professor, mas na hora certa ele o fez, porém, assim que terminou correu para longe dos instrumentos e tampou novamente os ouvidos.
Essa situação aconteceu em novembro do ano que iríamos para a praia e vivenciaríamos as questões que já abordei.
Aqui percebemos então diversas alterações sensoriais bem clássicas que perturbavam ele, mas nós não percebíamos como tal. Eram coisas pequenas, rotineiras, que muitas crianças fazem...
Porém, com a chegada do laudo isso tudo foi se encaixando em minha mente como um quebra cabeça gigantesco que eu vinha tentando montar há anos. Agora cada pequeno detalhe fazia sentido para mim.
A chegada do Daniel me ajudou a perceber outras coisas também... Pois o desenvolvimento do Daniel no primeiro ano foi extremamente típico. Foi para a escolinha e se adaptou em uma semana. Com oito meses mandava beijos e dava tchau. Usava os brinquedos de acordo com suas funções: a bola é para jogar, o carrinho para andar no chão, a boneca para embalar... Isso tudo antes de um ano.
Essas coisinhas passaram despercebidas por mim quando o Henrique tinha aquela idade. Mas já eram sinais claros e evidentes de que ele era autista. 

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