Depois que
recebemos o laudo de autismo de nosso filho, surgiram muitos questionamentos
das pessoas com quem convivemos. Afinal, quando alguém fala a palavra autista,
surge logo na mente uma imagem estereotipada de uma criança se sacudindo ou com
dificuldade na fala ou atraso cognitivo e motor.
Acontece que no
caso do Henrique, os sintomas são muito sutis. Acabavam se confundindo com
birras normais de criança. Manha, barda... Como diziam alguns parentes
próximos.
Hoje, sob a luz
das pesquisas que fiz sobre o transtorno do autismo, posso perceber os sinais
que me passaram totalmente despercebidos na minha inexperiência de mãe de
primeira viagem.
Henrique nasceu
de trinta e oito semanas, no dia oito de agosto de 2010. Na hora do parto seu
choro foi fraco, recebendo APGAR sete no primeiro minuto e oito nos cinco
próximos.
Ele demorou
cerca de dois dias para aprender a mamar. Chegou a tomar complemento duas vezes
e sua glicose baixou bastante, tendo que ser medida duas vezes por dia por
quatro dias.
Enfim, no dia
doze de agosto fomos para casa, mas os meses seguintes foram bastante difíceis.
Henrique chorava muito e eu não sabia se era cólica, fome ou outra coisa... No
fim, na consulta do pediatra dos quatro meses eu descobri que ele tinha fome.
Meu leite estava
sendo insuficiente para alimentá-lo e ele passou um mês inteiro sem ganhar
peso. Ele começou a tomar mamadeira com quatro meses.
Depois disso, o
desenvolvimento dele correu de maneira semelhante a qualquer outro bebê. Ele
ria, interagia, olhava nos olhos... Sentou com quase sete meses, engatinhou com
oito, andou com um ano...
Porém, desde que
ele começou a engatinhar eu percebi uma coisa: ele não compreendia o não. Isso
se estendeu até perto dos dois anos. Era bastante difícil fazê-lo respeitar os
limites.
Outra
característica que hoje percebo, mas na época me passou despercebido, foi o
fato do Henrique não aprender gestos de interação social: tchau, beijo,
palmas... Essas coisas simples que as crianças fazem antes de um ano. Ele tinha
dois e não fazia. Na verdade, ele fez essas coisas só perto dos três anos. E
quando queria, não quando pedíamos.
Ele teve certo
atraso na fala também. Enquanto sua prima de um aninho já repetia o final das
frases que falávamos, ele aos dois não falava nem papai e mamãe. Porém, começou
a falar de repente, pouco depois de completar dois anos. E corretamente. Até
demais para a idade.
Outro marco do
desenvolvimento que foi diferente para o Henrique foi o desfralde. Foi muito
difícil. Ele levou quase um ano para desfraldar. E o desfralde noturno ainda
não conseguimos. Ele está com seis. Era bastante difícil para ele compreender a
lógica de ir ao banheiro e acabava fazendo onde estava.
Com relação a
adaptação na escolinha, hoje percebemos que foi bem mais difícil do que para
outras crianças da mesma idade... Ele chorava muito para ficar, sendo que já
começou a ir para o jardim com apenas um ano. Ele só foi se adaptar com três
anos de idade. Foi quando eu podia deixá-lo na porta e sair sem ouvir os
gritos.
Outra coisa que
nos preocupava eram os dias de aniversários de colegas e parentes. Nós o
levávamos para as festas, mas ele não interagia com as crianças. Geralmente ele
brincava sozinho ou ficava lendo histórias ou vendo vídeos. Mesmo que tivesse
alguém que ele já conhecia bastante e tinha afinidade, se essa pessoa estava
brincando com outro, o Henrique se fechava.
O Henrique tinha
muita dificuldade em interromper a atividade que estivesse fazendo. Se
estávamos na casa do primo e eles estavam brincando, ele chorava muito,
chegando ao exagero de gritar quando dizíamos que tínhamos que ir embora. Por
diversas vezes o levamos embora dos lugares a força.
Mas essa
dificuldade era para tudo. Inclusive, a maior reclamação das professoras que
atenderam ele nos três primeiros anos era que ele não reagia bem a trocas de
atividades, fazendo bastante birra nessas situações.
Como é possível
perceber, todos esses sinais estavam lá, mas eram coisas pouco importantes.
Mesmo quando aquela voz interior me dizia que havia algo de errado, as pessoas
ao meu redor me desmotivavam em ir além, afirmando que ele era uma criança
normal, aquilo era coisa de criança, cada um tem seu tempo, que ele era muito
bardoso...
As suspeitas
começaram a ficar um pouco mais incômodas para mim quando o Henrique estava
próximo de completar quatro anos. Foi quando começaram a surgir as alterações
sensoriais nos pés e peito. Ele passou a mostrar aflição quando tirava sua
camisa ou seu chinelo.
Nós não tínhamos ideia do que poderia ser aquilo e muitas vezes atribuíamos a manha, brigando
com ele nessas situações, o que só piorava a situação.
Naquela época eu
estava no início da gravidez do Daniel e cheguei a pensar que aquelas birras
eram uma forma de chamar a atenção em função da chegada do irmão. Mas as crises
foram se estendendo durante todo o período do verão, deixando em meu coração de
mãe muitas dúvidas e uma angústia gigantesca.
Enfim, o Daniel
nasceu e eu percebi que isso ajudou o Henrique, de certa forma. Ele aceitou bem
a chegada do irmãozinho e era bem carinhoso com ele. Até hoje. Porém,
continuava sem permitir que fosse tirada sua meia e sua camisa, a não ser para
tomar banho.
No final daquele
ano, que seria o derradeiro na nossa decisão de buscar um diagnóstico, ainda
houve outra situação diferenciada. Henrique fazia capoeira na escola e em uma
determinada tarde houve a cerimônia de troca de faixa.
Essa cerimônia
foi no parque da cidade, num quiosque fechado. Estava bem cheio de gente e as
crianças foram chamadas para ficar numa roda na frente, perto dos instrumentos.
A música começou a tocar e eu percebi que o Henrique ficou muito transtornado
com o barulho. Ele passou o tempo todo com as mãos nos ouvidos.
Eu pensei até
que ele não iria jogar a capoeira com o professor, mas na hora certa ele o fez,
porém, assim que terminou correu para longe dos instrumentos e tampou novamente
os ouvidos.
Essa situação
aconteceu em novembro do ano que iríamos para a praia e vivenciaríamos as
questões que já abordei.
Aqui percebemos
então diversas alterações sensoriais bem clássicas que perturbavam ele, mas nós
não percebíamos como tal. Eram coisas pequenas, rotineiras, que muitas crianças
fazem...
Porém, com a
chegada do laudo isso tudo foi se encaixando em minha mente como um quebra
cabeça gigantesco que eu vinha tentando montar há anos. Agora cada pequeno
detalhe fazia sentido para mim.
A chegada do Daniel
me ajudou a perceber outras coisas também... Pois o desenvolvimento do Daniel
no primeiro ano foi extremamente típico. Foi para a escolinha e se adaptou em
uma semana. Com oito meses mandava beijos e dava tchau. Usava os brinquedos de
acordo com suas funções: a bola é para jogar, o carrinho para andar no chão, a
boneca para embalar... Isso tudo antes de um ano.
Essas coisinhas
passaram despercebidas por mim quando o Henrique tinha aquela idade. Mas já
eram sinais claros e evidentes de que ele era autista.
Que lindo Caroline. Parabéns por ser esta mãe e professora maravilhosa.
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