quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Perigo do “Achismo”




Como professora da rede municipal de ensino há dez anos, eu percebo entre os colegas de trabalho e profissionais da educação, de modo geral, um “achismo” exagerado, um saber que não se sabe, uma certeza de coisas que só ouviu falar de longe... Penso que isso é uma coisa extremamente perigosa para as crianças com deficiências que estão camufladas no ambiente escolar.
Eu digo camufladas, e é a mais pura verdade. Porque se nem mesmo seus pais, que as criaram desde sempre, conseguiram ler os sinais da sua diferença, multiplique essa realidade por vinte, vinte e cinco, trinta alunos que a professora ou o professor precisa lidar todos os dias.
É absolutamente impossível você perceber muita coisa, especialmente em se tratando de níveis brandos de autismo, como o Asperger. Quem chama a nossa atenção acaba sendo o hiperativo, que não pára em seu lugar e não se concentra, ou o disléxico, que não aprende a ler... Mas um autista nível um, com cognitivo preservado e que fala normalmente (ou até de maneira rebuscada, em alguns casos) não atrairá os olhos do educador para a sua deficiência.
Afinal de contas, ele aprende! Ele é inteligente. É o que afirmam os profissionais da educação, com praticamente zero vivência no mundo do autismo. Isso é o que realmente importa, digamos de passagem, no sistema educacional enrijecido que temos.
Mas aí entra a questão importante do profissional conhecer o seu lugar e entender que uma palavra sua pode ser fatal na busca de uma família por um laudo. Um educador que não sabe de autismo mais do que algumas características básicas que leu num post do facebook não terá condições de afirmar que aquela criança pode ou não ser autista. Até porque, o autismo possui vários níveis, é um transtorno que afeta diversas áreas da vida da criança, muitas das quais não temos acesso como professores.
Estamos falando na questão emocional, sensorial, social... As estereotipias... São muitos detalhes para serem notados pelos professores, tendo em vista o número grande de crianças dentro da sala e o fato de que a maioria dos educadores não possui nenhum tipo de vivência extraclasse sobre o assunto.
No meu caso, meus olhos se ampliaram muito desde a descoberta do laudo do meu filho Henrique. Toda a pesquisa que fiz, o mergulho conceitual que me obriguei a fazer para ter condições de auxiliar meu filho ampliou meu olhar para os pequenos alunos com os quais convivo diariamente.
Estou anos luz de profissionais da área, como terapeutas e psicopedagogos, mas eu sinto que cada dia eu aprendo um pouco mais sobre as questões do autismo nível um com o laboratório vivo e sorridente que tenho dentro de casa. Isso despertou em mim um olhar um pouco mais sensível para os alunos, de maneira que procuro ajudar cada um deles com as dicas que aprendi no dia a dia do Henrique.
Por isso, cada professor e professora precisa cuidar em seus conceitos fechados sobre quem pode ou não ter autismo. E cuidar ainda o dobro quando um pai ou uma mãe vier lhe informar que está fazendo uma avaliação ou pretende fazer uma avaliação para verificar se o seu filho ou filha tem autismo. Por mais que você não veja NADA de diferente naquela criança, jamais desmotive os pais. Eles têm uma vivência com aquela criança que transcende a sua vã sabedoria sobre o assunto. E se a intuição deles os motiva nessa busca, incentive! O máximo que vai acontecer é a criança não ter nada. Ótimo. É melhor pecar pelo excesso! Mas se aquela criança tem características do espectro e os pais desistirem do laudo porque a professora não viu nada, é uma responsabilidade gigantesca para qualquer educador!
Isso transcende aos professores, qualquer pessoa que, em seu senso comum, falar palavras que desestimule um casal a ir atrás de um laudo, qualquer que seja, precisa entender que está pisando em um terreno extremamente sensível. Porque é dificílimo para qualquer casal aceitar que seu filho pode ter algo de diferente e que precisam buscar ajuda profissional. Nesse momento, o casal está frágil e é capaz de acreditar na opinião de quem quer que seja que diga que aquilo é bobagem, que o filho deles não tem nada, que é coisa de criança... E se esse tipo de frase parte de um educador, o peso é, de certa forma, maior ainda.
Os pais que têm aquele pressentimento (porque o temos sim), de que há algo de errado com o filho, ao mesmo tempo tem tanto medo de descobrir o que é, que preferem permanecer no cômodo espaço do: talvez não seja... E esse talvez não seja pode durar anos e isso é extremamente prejudicial para a criança. Afinal, uma criança que tem dificuldades educacionais ou autismo em nível um está travando batalhas contra si mesma e lidando com o que os outros esperam dela e ela não consegue oferecer que gera sofrimento e tristeza.
Há crianças não diagnosticadas com autismo durante a infância que chegam à adolescência com depressão, podendo inclusive ter pensamentos suicidas em função da falta de habilidades sociais e desorganizações sensoriais que, se tivessem sido trabalhadas desde cedo, teriam sido devidamente resolvidas.
Dessa forma, pensemos e pesemos cada palavra e gesto nosso, seja como educador ou não, ao lidar com situações referentes à delicada situação da busca do laudo de alguém que conhecemos. Podemos estar cometendo um erro e levando outras pessoas a cometê-lo, que pode gerar sofrimento e solidão a uma criança. Na minha opinião, negar um laudo a uma criança que possui uma deficiência é, perdoe-me o desabafo, no mínimo cruel.

Se tiver se interessado em aprender mais sobre a Síndrome de Asperger, indico alguns links interessantes:

https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8184081039253315887#editor/target=post;postID=1831539851645100409
http://autismoerealidade.org/wp-content/uploads/manuais/Manual_para_Sindrome_de_Asperger.pdf

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