Certa tarde,
levei o Henrique para brincar na casa do amigo João Paulo, na mesma rua que
moramos. JP tinha a mesma idade do Henrique, mas não falava ainda, de forma que
seus pais o levavam em diversos profissionais desde os três anos de idade. No
entanto, ele ainda não tinha laudo.
Conversando com
a Márcia, mãe de JP, relatei todas as minhas angústias e as situações que
vivenciamos na praia. Ela, que é uma pessoa doce e tranqüila, perguntou se eu
gostaria do contato da terapeuta ocupacional que atende o João Paulo e eu
aceitei. Fiquei inclusive bastante animada em conversar com ela, diante dos
comentários que a Márcia fez.
Liguei para ela
e agendei uma conversa para o início de fevereiro. Aquele mês de janeiro foi o
mais longo de toda a minha vida.
Chegou o dia da
conversa. A terapeuta se chamava Evelise, era uma mulher nova, de sorriso
fácil, cabelos escuros e olhos expressivos que demonstravam bastante inteligência.
Gostei dela logo na primeira vista.
Tivemos então a
conversa reveladora. Evelise fez questionamentos acerca do desenvolvimento do
Henrique desde que ele nasceu até o dia atual. Fomos recordando nossa história.
Cada pequeno detalhe não passava despercebido pelo olhar da terapeuta, que nos
fazia lembrar detalhes que não tínhamos sequer reparado.
Quando
terminamos de falar, Evelise tinha feito anotações em um folha inteira, frente
e verso... Ela nos olhou e disse que, diante da quantidade de características
havia uma possibilidade do Henrique ter Síndrome de Asperger, que se tratava de
um dos níveis de autismo.
A etapa seguinte
seria a avaliação em quatro sessões com o Henrique e, depois disso, ela nos
orientaria sobre os próximos passos.
Durante aquelas
quatro semanas em que o Henrique fazia a avaliação aproveitamos para ler todo o
material possível sobre a tal Síndrme de Asperger. Fomos identificando dentro
das características dela várias questões que se aplicavam ao Henrique.
Ao contrário de
outros pais, que vivem o processo de luto diante da possibilidade do
diagnóstico, eu estava de certa forma aliviada. Sim, pois estava finalmente
encontrando as respostas para as angústias que me perseguiam havia anos.
Claro que a
tristeza batia e o medo do futuro me atropelava, levando-me a chorar escondido
várias vezes. Mas como diz a passagem bíblica, o pranto durava pouco tempo e
logo já estava animada e decidida a aprender mais e mais.
Como eu sempre
gostei de ler e estudar, mergulhei completamente dentro do espectro, buscando
formas de aprender a lidar com as situações que nos aconteciam e acometiam o
Henrique.
Finalmente
tivemos o encontro com a Evelise para nos repassar os detalhes da avaliação.
Fomos então apresentados a expressão que tomou parte da minha vida: alteração
sensorial. Na avaliação, a terapeuta disse que o Henrique apresentou muitas alterações
sensoriais...
O próximo passo,
diante disso, seria marcar uma consulta com um neurologista para obter um laudo
específico. E foi o que fizemos sem demora. Não adiantava esperar. Eu não
queria um laudo de autismo, mas ficar com aquela dúvida era muito pior do que
qualquer laudo. O que quer que fosse que ele tinha, eu precisava saber.
Marcamos a
consulta com o neurologista indicado pela Evelise: doutor Egon, em Blumenau.
Viajamos para lá no dia marcado e esperamos pacientemente na sala de espera.
Era uma sala
pequena, com apenas algumas cadeiras, uma caixa de brinquedos e um balcão onde
ficava a recepcionista.
O médico chamou
e nos dirigimos para a sala. Doutor Egon era um homem de olhar bondoso,
levemente calvo e de óculos. Tinha um sorriso no rosto e estendeu a mão para o
Henrique assim que o viu.
Mas o Henrique
passou reto pelo médico e entrou no consultório, olhando ao redor com
curiosidade. Era um consultório relativamente pequeno, com uma mesa e algumas
cadeiras e balcões. Porém, olhando para a direita, havia uma sala em anexo, que
tinha mais balcões, uma maca e uma balança.
Iniciamos a
consulta, que se tratava de uma conversa, como havia sido com a terapeuta
ocupacional. A diferença é que dessa vez, o Henrique estava presente.
Doutor Egon
anotou as questões que relatávamos em seu computador. Ele também fez vários
questionamentos pontuais. Depois de um tempo, ele dirigiu seu olhar ao Henrique
e disse que seguiriam até a outra sala para fazer um exame. Ao dizer isso, o
médico se levantou e estendeu a mão para o Henrique.
Mas ele passou
reto da mão estendida, se dirigindo para a sala mencionada. O médico o chamou,
pediu que viesse até a cadeira novamente, e, estendendo a mão de novo, falou
para ele que iria fazer um exame. Como da primeira vez, ele passou reto e foi
até a outra sala.
O doutor Egon
nos olhou com um sorriso e falou:
- Acredito que
ele não vai pegar a minha mão mesmo, não é?
Eu percebi
naquele momento que aquele gesto era uma espécie de teste que ele aplicara em
Henrique. Mais tarde ele explicou que as crianças com autismo não conseguem ler
sinais não verbais. Então, na verdade, o Henrique não percebeu que o médico
tinha estendido a mão para que ele a pegasse.
Na consulta
física, doutor Egon realizou um novo teste. Após fazer o procedimento normal,
ele abraçou o Henrique. Mas o Henrique não retribuiu, ficando parado como
estava. Depois de um tempo, doutor Egon falou:
- O que eu dei
em você?
Com a voz baixa,
Henrique respondeu:
- Um abraço?
- E você não
quis me abraçar? - o médico perguntou.
Henrique
concordou com um aceno de cabeça e abraçou o médico.
Caminhamos de
volta para a sala anterior e sentamos. Doutor Egon deu ao Henrique uma caixa
cheia de carrinhos e o orientou a ficar sentado no tapete da sala anexa,
retornando para a sua cadeira, a nossa frente.
Em seguida, ele
começou a explicar detalhadamente cada teste que realizara desde o momento que
entramos no consultório. Dessa forma, diante do que ele viu e examinou, nosso
filho se enquadrava no transtorno do espectro autista, nível um. Antigamente,
esse grau de autismo recebia o nome de Síndrome de Asperger, mas essa
denominação havia caído recentemente.
Enfim,
indiferente da nomenclatura, era isso o que ele tinha. E isso explicava tudo. A
falta de habilidade social com os pares, as alterações sensoriais, as
dificuldades alimentares, as birras diante das mudanças de rotina...
Estava tudo
claro e transparente diante de nossos olhos. Como se isso não bastasse, ao
olharmos na direção do Henrique no tapete, vimos que ele tinha alinhado os
carrinhos um atrás do outro, classificados por cor.
- Essa é uma
característica clássica de crianças do espectro. - falou o médico - Eles não usam
os brinquedos de acordo com a função deles.
Naquele momento,
fui arremetida por um turbilhão de lembranças. Era mais uma peça do
quebra-cabeça que se encaixava. O Henrique sempre fizera muito isso com seus
brinquedos.
Saímos do
consultório com a folha do laudo nas mãos e o sentimento de que nossa vida
nunca mais seria a mesma. E realmente não foi.
Reunimos a
família e fizemos um vídeo para apresentar a nossa descoberta. As reações foram
as mais variadas possíveis... Houve quem negou, houve quem entendeu e aqueles
que já suspeitavam.
Eu descobri que
falar sobre isso não causava mais tanto medo. Porque agora estava tudo
esclarecido. O que dava medo era pensar o que fazer a partir de então.
Os meses foram
passando e fomos nos adaptando a nossa realidade de pais de autista. A
diferença de antes era que, quando as situações desafiadoras surgiam, sabíamos
a quem recorrer e em quem nos apoiar nos momentos de dúvida.
A Evelise foi o
fator principal para minha tranqüilidade. Acredito que o profissional interfere
muito na aceitação dos pais. Claro, cada casal tem seu jeito e seu tempo para
lidar com um laudo desse tipo.
Porém, no meu
caso, eu tive confiança nela logo de início e essa confiança só aumentou. Cada
dúvida que surgia, cada medo, cada insegurança... Tudo recorríamos a ela e ela
nos ajudava a compreender as questões que nos deixavam em dúvida e, dessa
maneira, a compreender um pouco mais nosso filho.
Nenhuma mãe quer
receber a notícia de que seu filho tem autismo, seja o grau que for. Não é isso
que imaginamos quando realizamos aquele primeiro teste de gravidez ou quando
pegamos nosso bebezinho pela primeira vez no colo.
No entanto,
acima de tudo, qualquer pai quer ver seu filho feliz e integrado socialmente. E
isso só é possível para uma criança que tem autismo a partir do momento que ela
possui um laudo e as pessoas ao seu redor sabem as características e
dificuldades que ela apresenta.
Caso contrário,
essa criança é excluída pelos pares. Tudo o que é diferente causa estranhamento
e a tendência natural das pessoas é se afastar.
Eu trabalho em
escola há mais de dez anos e vejo essas questões acontecerem diariamente. Por
isso fui tão determinada em conseguir o laudo. A partir do momento que
decidimos por isso, obtivemos o laudo em um mês. Claro que os profissionais
certos foram o fator principal no nosso caso.
Mas para isso, o
casal precisa decidir que quer saber. O que quer que seja. É melhor obter o
diagnóstico e buscar formas de ajudar a evolução da criança do que ficar
disfarçando uma situação, cuja tendência é piorar com o passar do tempo.
Eu penso assim.
Por isso a descoberta do autismo do Henrique não me abalou tanto. Pelo
contrário, descobri a partir daquela data que eu era mais forte e determinada
do que pensava. Afinal, era do meu filho que estava sendo falado. Era minha
total obrigação conhecer tudo o que ele tinha para poder ajudá-lo a desenvolver
todo o seu potencial.
Bom, essa foi a nossa busca pelo laudo. Cada um tem suas lutas e seu próprio caminho percorrido. O nosso, durou menos de dois meses. Sei de pessoas que levam anos para conseguir o laudo... Acredito que o profissional tenha muito a ver também... Mas enfim.
Nossa Carol, deve ter sido um sentimento ímpar a descoberta. Nós mães quando se trata de nossos filhos somos realmente fortes. O Henrique é afortunado por ter uma mãe guerreia e determinada como você.
ResponderExcluirBeijos amiga...